
Quando eu era pequena eu queria ser a Jeanie. Aquela que era um gênio. Como era bom sonhar que se podia jogar o rabinho de cavalo pra frente e realizar todos os desejos. Estar em qualquer parte do mundo, com as roupas mais bonitas e resolver todas as trapalhadas com um passe de mágica. Ela era meio medrosa, meio patricinha, até meia burrinha, mas ela tinha o Major Nelson, aquele gato! Outro dia vi na TV, num desses programecos onde ressuscitam os mortos, ela, a atriz que interpretava a minha ídola infantil. Cheia de rugas e lágrimas, duzentos anos depois. Vida dura a da mocinha. Vida dura essa de quem não tem um rabo de cavalo que balança pra frente e resolve tudo. Dois casamentos fracassados, pouco sucesso depois daquele papel, que só durou cinco anos e um filho que morreu por overdose de drogas. E daí? Dezenas, centenas de mulheres apanham dos maridos, não conseguem ser nada na vida, filhos morrem todos os dias. E daí nada, mas foi como descobrir que Papai Noel não existe em uma idade em que isso já não tem a menor importância.
Coitada da Jeanie, mas se eu tivesse um rabo de cavalo e um narizinho arrebitado capaz de realizar meus desejos, eles seriam inúmeros. E todo dia, após um desejo realizado, talvez eu morresse de tédio. A vida totalmente facilitada, entregue numa bandeja não teria muita graça. Mas se eu pudesse satisfazer apenas a um desejo, gostaria de pedir um fone de ouvido, que me falasse mais vezes com a voz que vêm do meu coração. E então talvez ela tivesse me dito ao longo destes anos: "Saia dessa casa, mude de lugar a cada três anos, fique um longo tempo sozinha, depois reúna-se, partilhe, sempre. Seja menos auto-crítica, aprenda a odiar sem culpa algumas vezes. Acorde mais cedo, aprenda a fazer café. Cure uma a uma suas mágoas. E as que não curarem, apenas deixe lá. Não pense tanto, faça planos, mesmo bobos, desista de alguns, mas leve outros adiante. Não seja tão preguiçosa, não sinta tantas saudades do que já foi. Não tenha medo, ao menos não esse que paralisa.
Cante mais, dance mais pela casa, como fazia antigamente. Não sinta pena de você, não beba champanhe que esse negócio te deixa enjoada. Aprenda a impor respeito, mas não sendo grossa, que essa não é a maneira correta. Sorria mais, dê mais gargalhadas, cozinhe, borde, olhe mais pras suas mãos. Mexa-se mais, ame mais, ame melhor, aprenda a ter nexo e a gostar de Natal. Ouça mais samba, samba te deixa leve, te anima, te acende. Leia menos poesias, não tape seus buracos com fantasias. Não sonhe demasiado, ouse, planeja, faça. Diga "eu te amo" pra sua mãe, ao menos uma vez. Ao menos uma vez aprenda a ouvir "eu te amo", sem sentir o peso da responsabilidade. Esqueça.
Faça mais festas de aniversário, reúna -se com seus amigos e não fique tão triste se as coisas e as pessoas mudarem. Mude. Entenda. Dê de ombros mais vezes. Não fume demais, não durma demais. Veja mais manhãs durante a vida. Reclame menos, tire mais fotografias, de você mesma, de seus pais, seus irmãos, seus amigos. E de pessoas e lugares que você sabe que dificilmente irá rever de novo. Guarde todas as suas cartas de amor. As enviadas e as recebidas. E não as leia senão muito tempo depois. Vá em frente, prossiga, andando sem parar, mesmo sem fé alguma. Imagine um ponto de chegada, mas se não chegar, curta o trajeto, a paisagem, o clima e o cansaço. E não se preocupe tanto com o que virá. O futuro nunca chega, ele esta sempre por vir.
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